... não pude evitar.
Estou sozinha no restaurante, sentada a uma distância mínima de dois homens que estão na mesa ao lado, um deles um vozeirão, dolby stereo surround.
- Zé, tu não acredita como aquela mulher é SUAVE.
Ele dizia SUAVE assim, como que sublinhando. SUAVE.
E o Zé lá, balançando a cabeça, meio constrangido pela inédita adjetivação.
O amigo do Zé continuava:
- Sabe quando uma mulher é SUAVE? Ela é. SUAVE. Ela é de uma SUAVIDADE... Sabe quando a pessoa anda E NÃO FAZ BARULHO? Ela NÃO FAZ BARULHO ZÉ. Essa coisa de fazer barulho quando anda é coisa de gente mundana, faz barulho com o pé pra estar muito na Terra, sabe? Ela não! Ela não anda, levita!
O Zé tomou um gole de água, eu tomei outro. Pensei em botar fones de ouvido, estava me sentindo muito desconfortável com aquela proximidade toda. Depois da água, pensei que se o amigo do Zé quisesse mesmo ser discreto, falaria baixinho no ouvido do Zé, e não alto no meu.
Ele continuava:
- Ajudei a tirar a mala dela da esteira e ela NÃO AGRADECEU. Ela apenas SORRIU. E aquele sorriso era o PARAÍSO, Zé. Que mulher suave! Sabe, Zé, quando a mulher apenas Sorri?
O Zé sabia. Pediram a conta, o Zé pagou ( o outro mencionou qualquer coisa sobre ter perdido o cartão na volta do Japão) e foram.
Eu fiquei, pensando na narrativa daquele homem que não era suave, por certo, mas que tinha toda uma delicadeza que ele próprio desconhecia.
E no Zé, claro, completamente desconfortável com todo o discurso. Pela interação durante a conversa, estou convencida de que o Zé saiu de lá com a pulga atrás da orelha. Acostumado que estava a ouvir que uma mulher era ou não gostosa, aquela coisa toda de suave deve tê-lo deixado mesmo surpreso.